Utilização de vagas de garagem por familiares em Condomínios

Com efeito, os maiores conflitos em Condomínios dizem respeito às vagas de garagem. A Convenção e o Regulamento Interno do Condomínio estabelecem a forma de utilização das vagas comuns na garagem.

O artigo 1.335, inciso II, do Código Civil, estabelece que o condômino somente poderá utilizar as partes comuns da edificação (vagas de garagem) de acordo com a sua destinação, sem abusos ou excessos, pois, do contrário estará prejudicando os demais condôminos, in verbis: “São direitos do condômino: usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores”. Grifamos.

O Regulamento e a Convenção devem ser rigorosamente respeitados. E o síndico tem a obrigação legal de cumprir e fazer cumprir as regras condominiais, conforme dispõe o art. 1.348, IV, do Código Civil:“Compete ao síndico: – cumprir e fazer cumprir a convenção, o regimento interno e as determinações da assembleia”. Grifamos.

Portanto, uma vez constatado o uso irregular da vaga, deverá o síndico advertir o condômino para que retire o veículo excedente ou manobre o mesmo adequadamente, sob pena de serem aplicadas advertências e multas, de modo que a vaga de garagem seja utilizada da forma como prevista originalmente na Convenção ou Regulamento.

A discussão gira em torno dos condôminos que tem direito à uma vaga na garagem em área comum, mas que por não possuir veículo no momento, acabam cedendo o direito de uso da vaga aos seus familiares.

Discute-se se é possível tal situação, uma vez que o direito de propriedade é assegurado pela Constituição Federal (art. 5º, XXII), de modo que não se pode restringir o direito do condomínio em utilizar a sua vaga de garagem da forma como lhe interessa, cedendo ou emprestando. Vale dizer, a Convenção ou Regulamento Interno, em tese, não poderiam limitar esse direito de propriedade do condômino, até porque ele realiza o pagamento da cota condominial como os demais, tendo o mesmo direito de uso da vaga (ainda que não possua um veículo), ou seja, utilizando ou não a vaga destinada, o condômino paga do mesmo jeito.

Com efeito, ainda que a Convenção ou Regulamento Interno proíbam expressamente a utilização das vagas por terceiros estranhos ao condomínio, referida norma não se aplica àqueles casos excepcionais em que o condômino possui algum tipo de necessidade física ou motoraque lhe dificulte o deslocamento, dependendo do auxílio de um familiar ou conhecido para a sua locomoção.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Federal nº 13.146/2015), determina a “eliminação de barreiras, entraves e obstáculos arquitetônicos” existentes tanto nos edifícios públicosquanto nos privados (art. 3º, b)[1], além de trazer a figura do“acompanhante” (inciso XIV)[2], imprescindível à pessoa com necessidades, como nos casos de motoristas ou cuidadores de deficientes visuais que necessitam de uma vaga preferencial.

Ora, é muito comum os casos de pessoas idosas ou deficientes físicos que se utilização da ajuda de pessoas na locomoção. E até mesmo é compreensível que um condômino de idade avançada e que não possui veículo ou habilitação para dirigir, esporadicamente, se valha da ajuda de parentes para ir à uma consulta médica, realizar compras ou até mesmo recepcionar os seus entes queridos aos finais de semana, como um almoço de domingo.

Pergunta-se: Qual é o prejuízo que causaria ao condomínio o filho que visita seus pais aos fins de semanas ou feriados?

Nesses casos, apenas se exige a identificação do visitante e a anotação dos seus dados pessoais para acesso ao Condomínio, para fins de controle, sendo importante ainda fazer constar registrado por escrito (ou por placas) que eventuais danos havidos nas dependências do Condomínio não serão indenizados aos visitantes, arcando com os seus prejuízos. Inversamente, se a situação for de danos causados pelo próprio visitante a qualquer condômino (ex. Carro riscado), deverá o condômino anfitrião ser advertido ou multado pelo síndico, além das perdas e danos que forem apuradas.

Há convenções que trazem uma cláusula conhecida como “cláusula de não indenizar”. O que isso significa? Significa que qualquer dano, furto ou sinistro nas dependências do Condomínio não serão indenizadas. Isso evita situações em que o condômino teve o seu carro riscado – não sabe quem foi o causador do dano – mas tenta obter do Condomínio a indenização pelos reparos, mesmo sem provar quem foi o culpado. Ora, o fato de pagar a cota condominial não dá ao condômino direito a um seguro universal, de vida, de residência, de veículo, etc. Do contrário, bastaria pagar apenas o Condomínio para ser indenizado por tudo.

A responsabilidade civil, tem como pressuposto a identificação do responsável pelo prejuízo. Sem a identificação do autor do dano, não se pode atribuir ao Condomínio este ônus, por falta de provas.

Por outro lado, é perfeitamente possível inverter essa regra de responsabilização e atribuir ao visitante o “risco” por estacionar o seu veículo em uma área privativa. Pois ele já estaria ciente dos riscos e poderá escolher se desejará estacionar antes mesmo de adentrar ao Condomínio.

É muito importante saber diferenciar um estranho de um parente do condômino já conhecido por aquela comunidade condominial.

Situação completamente diferente e de abuso de direito seria, por exemplo, o caso do familiar que se utiliza da vaga do condômino sem qualquer necessidade ou aproveitamento por parte daquele. Vale dizer, o único interesse desse visitante é o de utilizar a vaga sem nenhum proveito ao condômino. Muito comum os casos em que o filho possui mais de um veículo e estaciona cada um em prédios distintos para não pagar estacionamento externo.

Ora, essa situação é de flagrante abuso, pois a finalidade da utilização da vaga é alterada e só causa mais transtornos e insegurança no Condomínio. Nestes casos, deve-se aplicar advertência e multa, pois a destinação da vaga não é em favor do condômino morador, ao contrário, beneficia terceiros sem qualquer razão plausível.

Recomenda-se a aplicação de advertências e multas sempre que identificadas situações de abuso, todavia, nos casos EXCEPCIONAIS, em que a vaga está sendo utilizada pelo condômino por intermédio de um parente ou amigo que lhe auxilia, neste caso, poderá o sindico tolerar o uso da vaga por terceiro, pois a vaga está sendo utilizada em razão do condômino.

Nesse mesmo sentido, cumpre colacionar alguns julgados do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, deferindo a utilização da vaga a pessoa estranha ao condomínio, visto que era utilizada em benefício do condômino, confira:

Ementa: Anulatória. Assembleia de condomínio que determinou que as vagas de garagem só podem ser utilizadas pelo proprietário.Condômina que pleiteia a utilização por seus familiares.Sentença de improcedência. Abuso nas regras da convenção. Proprietária não pode ser impedida de utilizar seu bem. Irrelevante o fato dela não possuir veículo ou carteira de habilitação. Necessária anulação de cláusula que exige a condução de veículos de terceiros pelos proprietários das unidades. Recurso provido. Trechos do acórdão: “Trata-se de pedido formulado por proprietários de apartamento em edifício onde foi realizada assembleia de condomínio, ocasião em que ficou decidido que as vagas de garagem somente poderiam ser utilizadas para veículos registrados em nome dos proprietários das unidades, ou, por eles alugados ou a eles cedidos por empresas, vetando o uso da vaga por qualquer automóvel não relacionado com o proprietário do respectivo apartamento. (…) é incontroverso que os apelantes são proprietários de uma unidade no condomínio e sua respectiva vaga na garagem coletiva sem demarcações. Assim, observa-se exagero nas normas decididas na assembleia que exigem que o automóvel que utilize a vaga tenha algum vínculo com os proprietários dos apartamentos. Aliás, o fato de algum condômino não possuir veículo, permite mais espaço para os demais, causando uma vantagem para eles, o que não se permite. Nesse rumo, conclui-se que a regra da convenção, ainda que elaboradas com a intenção de alcançar o bem estar da maioria, colide com o direito de propriedade (…), o que remete a circunstancias apenas normais e não às excepcionais, aliás, o que é de previsível ocorrência, tal como as necessidades: uma senhora idosa, com problemas e que, eventualmente, pode necessitar de amparo de outros que, ainda, são donos de veículos”. (TJ-SP. Apelação nº 0195110-16.2009.8.26.0100. Relator (a): Teixeira Leite; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 02/02/2012; Data de registro: 03/02/2012).

Ementa: Agravo interno. Decisão monocrática. Condomínio residencial. Proibição de utilização de vaga de garagem por parentes de condômina. Violação do direito de propriedade. Presentes os requisitos para a concessão da liminar. Recurso não provido. Trechos do Acórdão: O condomínio, ora agravante, alega que em assembléia do condomínio ficou expressamente proibido o acesso à garagem por visitantes ou parentes de condôminos sem carro, razão pela qual pugna pela reforma da r. Decisão atacada. A agravada é proprietária de unidade autônoma, com direito a uma vaga de garagem coletiva do prédio, sendo que não possui veículo. Assim, a não concessão da presente liminar implicaria em limitar o seu direito de propriedade. Observo, por fim, que não se justifica o inconformismo da agravante em relação à lotação da garagem, pois a agravada tem direito a estacionar apenas um veículo na garagem do condomínio por vez. (Agravo Regimental nº 0207386-54.2010.8.26.0000. Relator (a): Adilson de Andrade; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 17/08/2010; Data de registro: 24/08/2010; Outros números: 99010207386650000).

“Possessória – Reintegração de posse – Condomínio residencial – Alegação de proibição de uso de vaga em garagem coletiva – Procedência parcial – Deliberação em assembléia de condomínio proibindo a utilização das vagas para visitantes – Demandante, condômina não proprietária de veículo, que veio a ser impedida, por isso, de utilizar a vaga a que tem direito, ao receber visita de familiares – Inadmissibilidade – Deliberação que não pode prevalecer, carecendo de validade, por restringir direito assegurado aos condôminos, inclusive de posse e propriedade sobre as áreas comuns (art. 623-1 do Código Civil de 1916 ou art. 1314-1 do novo Código)- Autora, porém, que deve ser reintegrada na posse de uma vaga indeterminada na garagem, por ser esta coletiva – Sentença reformada apenas neste aspecto – Recurso do réu provido em parte para tanto.” (TJSP, 14a Câmara de Direito Privado, Apelação nº 1141643400, rei. Des. Thiago de Siqueira, j. 05/09/2007). Grifamos.

Enfim, cada caso deve ser identificado especificamente pelo gestor do condomínio, recomendando-se, inclusive, a realização de assembleia para discutir melhor o assunto e, sendo o caso, alterar às regras condominiais para melhor adaptar à realidade da edificação, sem, contudo, violar direitos ou facilitar situações de evidente abuso.


[1] Art. 3º, IV – barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros, classificadas em: (…) b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados;

[2] XIV – acompanhante: aquele que acompanha a pessoa com deficiência, podendo ou não desempenhar as funções de atendente pessoal.

Fonte: JusBrasil 23/09/2016