DESCLASSIFICAÇÃO DE LESÕES DE NATUREZA LEVE, ART. 175 CPM, PARA TRANSGRESSÃO DISCIPLINAR

Sargento do Exército. CJM. Absolvição imputação art. 175 CPM. Desclassificação das Lesões de natureza leve para Transgressão Disciplinar. 

Por unanimidade, o Conselho Permanente de Justiça, apesar de reconhecer a autoria e materialidade delitivas, decidiu pela improcedência do pedido formulado na denúncia, restando absolvido da imputação relativa ao dispositivo 175 do CPM, com fundamento no artigo 439, “b”, do CPPM , bem como com relação a imputação relativa ao dispositivo 209 do CPM, fundamentando-se a referida decisão no disposto no art. 439, “b”, do CPPM, por entender que o fato não se constituía em infração penal, desclassificando o delito para infração disciplinar, com apoio no § 6o do art. 209 do CPM.

Integra Decisão:

“(…) Todas as testemunhas, incluindo a ex-noiva do acusado, são uníssonas em afirmar que o responsável pelo entrevero foi o Sgt xxx o qual, sem motivo que justificasse, desferiu uma cabeçada que atingiu a face do Sd yyy.

Apesar da responsabilidade do acusado ter ficado cristalina à luz do conjunto probatório, devem ser analisados os tipos penais em que está Incurso o Sgt xxx.

A violência contra inferior está tipificada no artigo 175 do Código Penai Militar no Capítulo “Da Usurpação e do Excesso ou Abuso de Autoridade” que, por sua vez, está ínsito no Título que trata “Dos Crimes Contra a Autoridade ou Disciplina Militar”.

Na realidade, tal delito visa tutelar os princípios norteadores da vida militar, previstos constitucionalmente – hierarquia e disciplina.

No caso dos autos, em que pese ter havido uma agressão por parte de um Sargento contra um militar inferior hierarquicamente, cuja condição era de seu conhecimento, o móvel da ação não diz respeito a qualquer assunto que envolva aspectos da vida militar. Diferentemente, o entrevero só ocorreu por questões pessoais que envolviam o acusado e o ofendido, passando longe da caserna. Deve ser salientado, ainda, que os envolvidos, naquele momento, estavam à paisana, num momento de folga.

O delito sob análise nada mais é do que uma das modalidades de abuso de autoridade. Ocorre quando o agente, aproveitando-se das prerrogativas de seu cargo público, se utiliza do poder para humilhar, constranger ou agredir um subordinado. É uma deturpação do princípio da hierarquia, e, por isso, sequer é necessário que o crime envolva violência física. O que tutela a norma penal é o correto exercício do poder inerente ao cargo público exercido pelo agente, que não pode dele se utilizar para satisfazer mórbidos desejos pessoais.

Em rápido bosquejo da jurisprudência, observa-se que tal conduta, invariavelmente, ocorre quando de instruções ou exercícios militares, onde o superior, visando realçar seu poder, passa a agredir, física ou moralmente, aqueles que estão em posição hierárquica inferior. É quando a autoridade se converte em autoritarismo. Porém, este crime, como já dito, tem por pressuposto o anômalo exercício da autoridade do cargo.No caso em apreço, se observa que a briga ocorreu por motivos absolutamente estranhos a vida da caserna, em momento em que os dois contendores encontravam-se fora do exercício de suas funções. Vale dizer, o réu não utilizou das prerrogativas de sua graduação para cometer o ato de violência contra a vítima, o que é elemento essencial do tipo penal em análise. Se a violência não decorreu do fato de ser o acusado um Sargento e a vítima um Soldado, não há como se admitir agressão aos princípios da hierarquia e disciplina, razão pela qual este delito, que é propriamente militar, não se aperfeiçoou. Desta forma, consideram os julgadores que para ter ficado caracterizado o delito, deveria o agente ter praticado a conduta movido peia intenção de ofender a hierarquia e a disciplina militar e, em última análise, a própria Instituição Militar.

Não é o caso dos autos, haja vista que a agressão adveio de uma questão particular.

Desta forma, por serem insuficientes os elementos probatórios para a caracterização do elemento subjetivo do tipo, deverá ser o acusado absolvido da imputação de incurso no artigo 175 do CPM, com fundamento no artigo 439, alínea “b”, do CPPM.

Por outro lado, o delito de lesões corporais formalmente ficou demonstrado haja vista que a agressão perpetrada pelo Sgt xxx está bem demonstrada no Auto de exame de corpo de delito realizado pela vítima. Tratam-se de escoriações (arranhões), e, mais significativo, um hematoma na região da face, com coágulo de sangue na cavidade nasal. No que pertine as escoriações, não há qualquer dúvida de que se tratam de lesões de natureza levíssima, porquanto são apenas arranhões, decorrentes da queda ocorrida quando acusado e vítima se engalfinharam no chão.

No que pertine ao hematoma decorrente da cabeçada sofrida pelai vítima, resultou apenas um “olho roxo”, sem necessidade de atendimento médico, suturas ou qualquer outro tipo de intervenção clínica. Não ficaram marcas, cicatrizes ou qualquer outra sequela, sendo que a mancha desapareceu naturalmente, poucos dias após.

Quanto ao coágulo sanguíneo, decorre, evidentemente, da pancada, porém, não houve ofensa a integridade da região nasal, que, segundo o laudo, não sofreu qualquer alteração; Ressalte-se que coágulos no nariz podem ocorrer até mesmo por motivos banais, como uma simples gripe ou a alteração da temperatura ambiente.

Desta forma, entende o CPJ, que, apesar de censurável a conduta do acusado, as lesões causadas na vítima são, em sua inteireza, de natureza levíssima, vez que não tiveram maiores consequências. Conforme previsão do artigo 209, § 6o, do CPM, a ocorrência de lesões levíssima autoriza o julgador a desclassificar o delito para infração disciplinar,  desde  que  se convença  que a atuação sancionatória administrativa é suficiente para a repressão da conduta. No caso em apreço, o acusado é Sargento de carreira, ainda cumprindo estágio probatório. Seus antecedentes penais e judiciais, bem como sua folha de alterações, não possuem qualquer mácula. Se é certo que demonstrou total descontrole em sua conduta, não menos certo é que uma sanção de natureza criminal não parece, a estes julgadores, efetivamente necessária e útil, máxime, em se considerando o profundo arrependimento do réu, demonstrado em seu interrogatório, e o fato de ter pedido perdão à vítima, que, ao depor, afirmou ter aceitado o pedido e compreendido que a agressão que sofrera ocorreu em um momento de descontrole emocional do réu.

v.Assim sendo, o acusado deverá ser absolvido da imputação de incurso no artigo 209 do CPM, com fundamento no artigo 439, alínea “b”, do CPPM, fazendo-se a desclassificação do delito para infração disciplinar, na forma do artigo 209, § 6o, do CPM, devendo os fatos serem remetidos à Autoridade Militar para sua análise à luz do Regulamento Disciplinar do Exército, podendo o Administrador adotar qualquer medida que julgar útil e necessária, sob os critérios da oportunidade e conveniência.” (negritos nossos)