FRATERNIDADE: UM PRINCÍPIO ESQUECIDO
FRATERNIDADE: UM PRINCÍPIO ESQUECIDO
Nara Suzana Stainr Pires[1]
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A sociedade vive um momento de crise, tanto moral, política, social, jurídica ou ambiental. No entanto, há um paradoxo no qual a sociedade preocupa-se com todos estes fatos, mas não busca realmente um fundo que possa alterar a situação. A intenção deste esboço é apresentar a Fraternidade como categoria além da concepção religiosa ou social, pois ao aprofundar estudos percebe-se a quão relevância possui como os outros princípios da igualdade e liberdade, ideais franceses proclamados mundialmente, e utilizados em defesa da dignidade humana em todos os Estados Democráticos de Direito.
Inicialmente para tratar sobre o tema fraternidade há necessidade de relatar brevemente, suas origens com viés religioso e filosófico. O termo está centrado na doutrina cristã, mas como maior influência remonta-se ao marcos teórico da Revolução Francesa e Americana. Visto como a reforma parte dos pensadores da época com seus ideais iluministas de irmão e co irmão, precedido dos ideários de liberdade e igualdade, frente às desigualdades estabelecidas pelas classes dominantes.
Garante a doutrina que na Idade Média a fraternidade vinculada à liberdade e igualdade é retomada como categoria política. Neste sentido verifica-se “a substituição de antigos valores por um novo direito livremente concebido pelo homem moderno, cujo único princípio diretor fosse à razão”. (CAENEGEM, 1995, p.119)
De fato, a Revolução Francesa marcou como forma de lei, e a liberdade e igualdade foram recebidas como verdadeiras categorias jurídicas, entretanto em relação à fraternidade não foi o mesmo. Existiu certo desprestígio em valor de sua origem cristã ou sua associação a organizações secretas que a enfraqueceram. E no decorrer do processo histórico tombou no esquecimento dos ordenamentos jurídicos estatais.
Como bons gaúchos, cumpre ressaltar pequena parte histórica sobre a cultura da Fraternidade no Estado Riograndense, pois desde os líderes republicanos, a elite gaúcha militar e política na época da Guerra dos Farrapos que era em sua maior parte maçônica, também houve um esquecimento quanto à questão da fraternidade. Estes adotaram similar a França o lema “Liberdade, Igualdade e Humanidade”. Segundos consta inseriram a terminologia humanidade em respeito aos escravos que lutaram defendendo o estado em busca de sua liberdade.
No entanto, na contemporaneidade, emerge a necessidade de tratar deste tema frente aos desafios que o novo século marca, e assim implica resgatar a fraternidade, essaa busca de uma nova dimensão sobre fraternidade começa a ser difundida por Chiara Lubich a partir de 1996, onde propôs a um grupo de políticos italianos, dar início a reflexões mais aprofundadas sobre vocação política e do compromisso com o serviço que o estudo da fraternidade poderia prestar a toda sociedade que se pretende fazer reconhecer, realmente, humana.
Na visão de Osvaldo Barreneche (2010, p. 10), a partir desse encontro, passam a existir dois caminhos intensamente ligados: por um lado, os que procuraram colocar em prática o novo pensamento, focando o terreno da práxis em diversos campos sociais e políticos. Por outro lado, os que avançaram nos estudos acadêmicos sobre a fraternidade, relacionando-a com outras disciplinas científicas.
Entre os anos de 2005 e 2011 na Europa, realizaram-se atos destinados a dar espaço para a fraternidade no Direito como o Congresso Internacional em Roma: “Racionalidade no Direito. Qual espaço para a fraternidade?”, o Congresso Internacional para Estudantes de Direito e Jovens Profissionais, organizado pelo Movimento Comunhão e Direito, em Castel Gandolfo (Itália), a Conferência sobre Autoridade, poder, soberania: a questão da democracia, realizada em Loppiano no Istituto Universitario Sophia; e Congresso Internacional para jovens juristas – com o tema a dignidade humana, relações, direito – em Castel Gandofo.
O desenvolvimento dos estudos sobre fraternidade no âmbito latinoamericano, pioneiro, aconteceu em 2007, na Argentina e no Chile foi apresentada uma edição em português e espanhol do livro Princípio Esquecido/1: A fraternidade na reflexão atual das ciências políticas, organizado pelo filósofo e politólogo Antonio Maria Baggio, onde se reuniram representantes acadêmicos culminando com a criação da RUEF – Red Universitaria para el Estudio de La Fraternidad, para maior aprofundamento sobre o asunto.
A nível brasileiro, em São Luiz do Maranhão, no ano de 2008, o Congresso Regional; em São Paulo, o Congresso Nacional; e, em Santa Catarina, no mês de setembro 1a Jornada Sul Brasileira de Direito e Fraternidade, na Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC, onde permanece até a atualidade o núcleo de pesquisas sobre o desenvolvimento da fraternidade.
Nesse caminho se encontra em fase de avanço os estudos da Fraternidade como possibilidade de fundamento jurídico, político, cultural, categoria, perspectiva ou até mesmo uma experiência, mas com certeza impulsionada a partir do grande resgate de Chiara Lubich.
A partir deste panorama se passa a uma breve análise sobre o pensamento desenvolvido por Antônio Baggio, um dos maiores patronos que permeia o campo da fraternidade. Sabe-se que no Estado Democrático de Direito prevalece à ideia de que a democracia se encontra calcada no diálogo que por sua vez estabelece diretrizes para convivência tolerante entre os indivíduos pertencentes a este Estado. Este movimento delibera-se em função da concretude e realidade dos fatos. Neste contexto a concepção da fraternidade conforme apresenta Antonio Baggio, se torna imprescindível para os questionamentos sobre fraternidade saber:
Responder hoje à pergunta sobre a fraternidade requer um esforço coordenado e aprofundado por parte dos estudiosos e, ao mesmo tempo, um disposição para a experimentação por parte dos agentes políticos. Colaboração que não pode ser improvisada nem planejada no escritório; ela nasce da realidade dos fatos, das escolhas de pessoas e de grupos que já estão agindo nesse sentido, começando a oferecer uma amostra de experiências de crescente relevância. (2008, p. 18).
Na concepção do autor pensar a Frtaernidade é levar a uma pretensão de colaboração por parte de todos, um aprofundamento e enganjamento daqueles que fazem pate do Estado sejam estes representantes políticos, pesquisadores ou sociedade em geral. Porque, se a fraternidade não descobrir as traduções teóricas e práticas para ser (con) vivida na dimensão político-pública, não há de se antever qualquer significado para além de sua prática, de suas relações privadas.
Neste ponto de vista, vislubra-se o empenho da academia, mais expressamente em Baggio, a propagação do estudo da Fraternidade, entendida como princípio, tal como a liberdade e a igualdade e na condição de princípio orientador/norteador aberto e em construção de legitimação.
Longe de expressar verdades, mas constata-se que o grande desafio não reside no reconhecimento ou lembrança da fraternidade, pois estes já são analisados, mas legitimá-la dentro do ordenamento jurídico brasileiro como princípio constitutivo, com sentido próprio, diferente de solidariedade.
Assim, uma das prioridades quando se defende a Fraternidade como princípio na mesma horizontalidade da igualdade e liberdade, não é somente criticar o esquecimento, ou criar uma teoria detentora de conceitos fechados, mas tratar do assunto com a característica que permita utilizar a Fraternidade nas relações jurídicas, além das pactuadas entre os homens para a organização da sociedade, e buscar uma convivência com harmonia, diálogo, cooperação, interação em uma nova ágora que poderá propiciar no mínimo fundamentos para soluções de crises contemporâneas.
Portanto, fraternidade constitui-se como elemento norteador na interpretação do Direito de forma legítima, transdiciplinar e sustentável para operacionalidade no Estado Democrático de Direito, consituindo todos como colaboradores em prol de um objetivo comum, quer dizer, fraterno, coletivo, onde cada um faz a sua parte visando o benefício de todos e não apenas de si mesmo.
Referências
BAGGIO, Antonio Maria. A redescoberta da fraternidade na época do “terceiro 1789″. In: BAGGIO, Antonio Maria. (Org.). O Princípio Esquecido/1. Tradução: Durval Cordas, Iolanda Gaspar, José Maria de Almeida. Vargem Grande Paulista, SP: Cidade Nova, 2008.
BARRENECHE, Osvaldo (comp.). Estudios recientes sobre fraternidad: De la enunciación como principio a la consolidación como perspectiva. Buenos Aires: Ciudad Nueva, 2010.
CAENEGEM, Raoul Charles. Uma introdução ao direito privado. São Paulo: Martins Fontes. 1995.
[1] Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Mestre em Direito pela UNISC-Universidade de Santa Cruz do Sul, Especialista em Direito Tributário e Ciências Penais, Professora do Curso de Direito, Advogada, Vice-Presidente da Comissão de Direitos Humanos OAB/SM Integrante dos grupos de Pesquisa CNPq, Direito Planetário Meio Ambiente e Globalização (UFSC) e Teoria Jurídica no novo milênio (UNIFRA). E-mail: narapires@piresadv.com.br.