Responsabilidade Civil do Estado por Bala Perdida

A responsabilidade civil do Estado, por atos omissivos ou comissivos de seus agentes públicos é de natureza objetiva, e prescinde da comprovação de culpa. Outra ideia é a teoria da solidariedade, pois o Estado é uma ficção jurídica, que não está acima da sociedade, porque é resultado de uma convenção jurídica, de uma sociedade organizada que se retira uma parcela dela chamada de Estado.

Com isso, houve uma evolução da responsabilidade civil, que não prescinde da culpa subjetiva do agente, para a responsabilidade pública, isto é, responsabilidade objetiva. Esta teoria é a única compatível com a posição do Poder Público ante os seus súditos, pois, o Estado dispõe de uma força infinitamente maior que o particular. Aquele, além de privilégios e prerrogativas que o cidadão não possui, dispõe de toda uma infra-estrutura material e pessoal para a movimentação da máquina judiciária e de órgãos que devam atuar na apuração da verdade processual. Se colocasse o cidadão em posição de igualdade com o Estado, em uma relação jurídica processual, evidentemente, haveria um desequilíbrio de tal ordem que comprometeria a correta distribuição da justiça.

Nesse diapasão, a responsabilidade civil do Estado pode ser contratual ou extracontratual. A primeira decorre de um ilícito praticado por uma das partes em relação a um contrato, ou seja, trata de um descumprimento contratual. Já a segunda, é um ato ilícito que não decorre de um contrato, mas de um dispositivo legal, ou em violação deste.

Certos elementos têm que ser ressaltados na responsabilidade civil, como o dano material que corresponde ao prejuízo econômico, com perda material e corporal do próprio indivíduo. Assim como, existe o dano moral, que é de cunho subjetivo e de difícil valoração pecuniária, pois é psicológico, em que o juiz é que irá valorar o mesmo.

Para comprovar esses danos deve haver um nexo de causalidade, que seria a comprovação da ação do Estado e o prejuízo gerado ao cidadão, havendo uma ação entre causa e efeito, pois se isso não ocorrer não há de se falar em nexo de causalidade. Para isso, deve-se verificar, por exemplo, se o Estado, representado pelo agente público atuou com culpa ou dolo, pois a culpa é um comportamento que contraria o direito, seja ela intencional ou não, podendo ser ligada a negligência, imperícia e imprudência, em que não se observa o dever de cuidado imposto pelo direito, para evitar a produção do evento danoso ou involuntário. O que é diferente do dolo, que segundo a doutrina é a vontade do agente em produzir o resultado ilícito.

A doutrina da responsabilidade objetiva do Estado comporta exame sob o ângulo de três teorias objetivas: a teoria da culpa administrativa, a teoria do risco administrativo e a teoria do risco integral, conforme preleciona Hely Lopes Meirelles.

Pela teoria da culpa administrativa a obrigação de o Estado indenizar decorre da ausência objetiva do serviço público em si. Não se trata de culpa do agente público, mas de culpa especial do Poder Público, caracterizada pela falta de serviço público. Cabe à vítima comprovar a inexistência do serviço, seu mau funcionamento ou seu retardamento. Representa o estágio de transição entre a doutrina da responsabilidade civilística e a tese objetiva do risco administrativo.

Pela teoria do risco administrativo basta tão só o ato lesivo e injusto imputável à Administração Pública. Não se indaga da culpa do Poder Público mesmo porque ela é inferida do ato lesivo da Administração. Basta à comprovação pela vítima, do fato danoso e injusto decorrente de ação ou omissão do agente público.

Essa teoria, como o próprio nome está a indicar, é fundada no risco que o Estado gera para os administrados no cumprimento de suas finalidades que, em última análise, resume-se na obtenção do bem comum. Alguns membros da sociedade atingidos pela Administração Pública, no desempenho regular de suas missões, são ressarcidos pelo regime da despesa pública, isto é, a sociedade como um todo concorre para realização daquela despesa, representada pelo pagamento de tributos.

Ela se assenta exatamente na substituição da responsabilidade individual do agente público pela responsabilidade genérica da Administração Pública. Cumpre lembrar, entretanto, que a dispensa de comprovação de culpa da Administração pelo administrado não quer dizer que o Poder Público esteja proibido de comprovar a culpa total ou parcial da vítima para excluir ou atenuar a indenização.

Finalmente, pela teoria do risco integral a Administração responde invariavelmente pelo dano suportado por terceiro, ainda que decorrente de culpa exclusiva deste, ou, até mesmo de dolo. É a exacerbação da teoria do risco administrativo que conduz ao abuso e à iniquidade social, como bem lembrado por Hely Lopes Meirelles.

Essa última teoria é a que seria mais aplicável a responsabilidade civil do Estado pela Bala Perdida, pois é um terceiro que muitas vezes não tem relação direta com o fato, é que vai sofrer o dano, o que por consequência disso gera o dever do Estado em indenizar o cidadão.

Jurisprudência de Responsabilidade Civil do Estado por Bala Perdida:

Fórum Regional de Itaipava NONA CÂMARA CÍVEL

Apelação Cível nº 2007.001.14811 Apelante: DELIO PEREIRA AMARAL Apelado: ESTADO DO RIO DE JANEIRO Relator: Desembargador ROBERTO DE ABREU E SILVA

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ART. 37, § 6ºDA CRFB/88. ATO LÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO. TROCA DE DISPAROS DE ARMA DE FOGO EM VIA PÚBLICA – BALA PERDIDA. DEVER DE INDENIZAR. O art. 5º, X da Lei Maior positivou o princípio impositivo do dever de cuidado (neminem laedere) como norma de conduta, assegurando proteção à integridade patrimonial e extrapatrimonial de pessoa inocente, e estabelece como sanção a obrigação de reparar os danos, sem falar em culpa. A CRFB /88, em seu art. 37, § 6º, prestigiou a Teoria do Risco Administrativo como fundamento para a responsabilidade civil do Estado, seja por ato ilícito da Administração Pública, seja por ato lícito. A troca de disparos de arma de fogo efetuada entre policiais e bandidos conforme prova dos autos impõe à Administração Pública o dever de indenizar, sendo irrelevante a proveniência da bala. A conduta comissiva perpetrada, qual seja, a participação no evento danoso causando dano injusto às vítimas inocentes conduz à sua responsabilização, mesmo com um atuar lícito, estabelecendo-se, assim, o nexo causal necessário. PROVIMENTO DO RECURSO.

TJSC – Apelação Cível AC 486108 SC 2010.048610-8 (TJSC)

Data de Publicação: 3 de Dezembro de 2010

ADMINISTRATIVO ¿ ATUAÇÃO POLICIAL ¿ PERSEGUIÇÃO E ABORDAGEM DE CRIMINOSO ¿ DISPARO DE ARMA DE FOGO POR POLICIAL EM VIA PÚBLICA ¿ VÍTIMA ALEATORIAMENTE ATINGIDA DE RASPÃO NA PERNA PELA BALA PERDIDA ¿ RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA ¿ DANO MORAL ¿ INDENIZAÇÃO MANTIDA.

Evidenciado que o agente estatal, ao perseguir e abordar criminoso na via pública, em cumprimento do dever legal, não sendo caso de proteção à incolumidade própria ou de terceiro, disparou arma de fogo cuja bala perdida veio a atingir, ainda que de raspão, mas com lesão, pedestre que se encontrava nas proximidades, deve o Estado indenizar os danos que foram causados, em face de sua responsabilidade civil objetiva.

TJSP – Apelação Com Revisão CR 7411685800 SP (TJSP)

Data de Publicação: 25/08/2008

Ementa: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. Bala perdida. Autor atingido por disparo de arma de fogo durante tiroteio entre policiais e bandidos. Responsabilidade Objetiva do Estado. Irrelevante se a bala veio de arma dos policiais ou dos bandidos. Dano Moral. CABIMENTO. Dano Material. NÃO CARACTERIZADO. Recurso parcialmente provido..

TJRJ – APELACAO APL 1564566320068190001 RJ 0156456-63.2006.8.1…

Data de Publicação: 09/05/2011

Ementa: AGRAVO INTERNO NA APELAÇÃO. Ação indenizatória. Rito ordinário. Bala perdida. Teoria do risco administrativo. Responsabilidade civil do Estado reconhecida. Dever de Indenizar. Retificação de ofício do item 2 do relatório da decisão recorrida na anterior apelação. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO DO RELATOR PELOS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS..

Bibliografia

MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros, 20ª ed. São Paulo. 1995.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27a. Edição – São Paulo: Malheiros, 2007.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo, 23ª Edição, Malheiros Editores (2006).

Fonte: JusBrasil 19/08/2016